Constituição Cidadã completa 20 anos

Foto Arquivo Abr
Por Jorge Alexandre Machado


Após 19 meses de muita discussão e debates, 341 seções e 1029 votações, 559 deputados e senadores concluíram, há 20 anos, completados hoje, a Constituição Brasileira, chamada na oportunidade de Constituição Cidadã, pelo deputado Ulysses Guimarães, que comandou os trabalhos.

Originalmente com 245 artigos e 70 disposições transitórias, a Carta Magna já foi objeto de 62 emendas e ainda estão pendentes regulamentações de diversos dispositivos. À época da promulgação, o país havia acabado de sair de uma ditadura militar, tinha uma inflação galopante e uma economia extremamente fechada. De lá para cá, o país passou por crises políticas, institucionais, econômicas e a Constituição teve papel preponderante na superação desses problemas e na consolidação do Estado Democrático de Direito.

O sonho da nova Constituição, de varrer do país o autoritarismo impregnado nas regras do regime militar, começou na campanha de Tancredo Neves para a Presidência da República. Ele desejou a nova Constituição, mas morreu antes de conseguir levar a frente este sonho. O sucessor, José Sarney, é que convocou a Constituinte e Ulysses Guimarães, melhor amigo de Tancredo, promulgou a nova Constituição brasileira, em 5 de outubro de 1988, às 15h54.

O povo também teve participação expressiva. Ainda sob o efeito da derrota da campanha pelas "Diretas-Já", que queria eleição do presidente da República, em 1984, pelo voto popular, a população canalizou suas energias para a Assembléia Nacional Constituinte. Ulysses, inclusive, comentou que o texto constitucional buscou consolidar 61.020 emendas, além de 122, de caráter popular, algumas com mais de 1 milhão de assinaturas.

Com a nova Constituição os direitos políticos dos cidadãos foram ampliados. Acabou a restrição ao voto do analfabeto, passou a ser possível o voto a partir dos 16 anos, foram instituídos o plebiscito e o referendo, além dos conselhos de políticas públicas.

Por outro lado, o texto constitucional, quando em fase de elaboração, preocupava alguns, como o então presidente José Sarney que dizia que o país se tornaria ingovernável. O economista Mário Henrique Simonsen, também expressava o seu temor de que o futuro do Brasil pudesse vir a ser comprometido pelo papel que ele achava que a Constituição dava ao governo de grande provedor da nação. Simonsen escreveu uma vez: “é precisamente na preservação desse sistema de favores, pelo qual o Congresso finge acreditar na possibilidade de o Estado resolver todos os problemas nacionais, que está o mais sério risco para o país”.

Se por um lado os dispositivos constitucionais geraram benefícios sociais, por outro colocou um peso financeiro considerável para o Estado brasileiro. As despesas do governo, incrementadas com as obrigações sociais decorrentes da Constituição, sem contar o pagamento de juros, passaram de 14% para 24% do PIB entre 1991 e 2006.

Na área da Previdência Social, mais encargos. Os constituintes aprovaram a aposentadoria até para quem não contribuía e vincularam o reajuste ao do salário mínimo. Resultado: em dez anos o déficit previdenciário totalizou perto de meio trilhão de reais. E o que o governo fez então para honrar esses gastos? Mais impostos. Em 1988, a carga tributária estava estimada em 20% do PIB. Hoje ela alcança 37%, um dos níveis mais altos do mundo.

O Congresso, após a constituinte, nunca mais reuniu tantos líderes de classe, intelectuais e políticos renomados. Eram eles: Ulysses Guimarães, Mario Covas, Luz Inácio Lula da Silva, Affonso Arinos, Nelson Carneiro, Fernando Henrique Cardoso, Roberto Campos, Delfim Netto, Cristina Tavares, Vladimir Palmeira e tantos outros que agiam realmente como uma representação política da sociedade. E mais: a média de freqüência dos deputados e senadores nas votações era de 70,68%. Nas seções, a média atingia 77,88%.

É inegável que a Constituição trouxe avanços e segurança para o Estado Democrático de Direito, mas, para os próximos 20 anos, ainda se tem muito a fazer para que ela exerça cada vez mais seu caráter de cidadã. Os dispositivos pendentes de regulamentação têm que merecer atenção especial para uma rápida solução; a população deve utilizar plenamente seus direitos, valendo-se cada vez mais das formas de participação extra-eleitoral e os Conselhos criados têm que buscar mais influência no estabelecimento de políticas públicas.

Para que tudo isso seja viável o principal direito, o voto, tem que ser exercido com a maior responsabilidade e discernimento, para que se possa voltar a ter no Congresso Nacional, líderes e políticos que representem somente os anseios sociais, com impessoalidade e moralidade. Talvez assim, esses novos políticos não tenham, como os atuais, que comprometer quase todo o seu tempo com CPI’s inúteis e o executivo deixe para o Congresso a função de legislar, reduzindo, quem sabe a zero, a quantidade de medidas provisórias que não só trancam a já emperrada pauta, como também a oportunidade de ampla discussão dos assuntos, sob o ponto de vista democrático, antes de se aprovar as medidas.

Na mesma data em que completa 20 anos a promulgação da Constituição Federal, o país vive mais uma eleição: agora para prefeitos e vereadores. Essa é a hora de lembrar que cidadania se exerce com extrema seriedade. Se a sociedade não quer mais corrupção e espera que o Estado possa atuar para promover o bem-estar de todos, o voto precisa ser consciente, precisa ser coerente, precisa honrar a democracia que tantos lutaram e muitos sucumbiram para tê-la no Brasil.

SUGESTÃO DE PAUTA: Luciana Machado

Acervo fotográfico (ABr)

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O que falta regulamentar (Rádio Câmara)

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